ASSÉDIO MORAL
ASSÉDIO MORAL – Resolução do contrato de trabalho por justa causa do empregador. Indenização por dano moral. Cabimento. O assédio moral, como forma de degradação deliberada das condições de trabalho por parte do empregador em relação ao obreiro, consubstanciado em atos e atitudes negativas ocasionando prejuízos emocionais para o trabalhador, em face da exposição ao ridículo, humilhação e descrédito em relação aos demais trabalhadores, constitui ofensa à dignidade da pessoa humana e quebra do caráter sinalagmático do contrato de trabalho. Autorizando, por conseguinte, a resolução da relação empregatícia por justa causa do empregador, ensejando, inclusive, indenização por dano moral (TRT – 15ª Região – 2ª T.; RO nº 01711-2001-111-15-00-0-Tietê-SP; ac. nº 005807; Rela. Juíza Mariane Khayat Fonseca do Nascimento; j. 11/3/2003; v.u.).
RELATÓRIO
Da r. sentença de fls. 67/75, que julgou procedente em parte a reclamação, recorre a reclamada com as razões de fls. 79/90, requerendo o não acolhimento da rescisão indireta do contrato de trabalho e o pagamento da indenização por danos morais, julgando-se totalmente improcedente a reclamação, sendo as verbas rescisórias e diferenças de saldo salarial somente devidas como pedido de demissão. Fls. 96/98 – Contra-razões apresentadas pelo reclamante. Fls. 103 – Opina a D. Procuradoria pelo prosseguimento do feito. Autos relatados.
VOTO
Observados os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso.
Sem razão o inconformismo.
Insurge-se a recorrente em face da resolução do contrato de trabalho (por justa causa do empregador), declarada pela r. decisão recorrida. Alega que não restou comprovada nos autos a falta da empregadora, porquanto não ficou demonstrado o fato de que o empregado tivesse sido colocado em sua cadeira no corredor da empresa, para ali permanecer ociosamente, até segunda ordem.
Releva notar que a ré, em razões recursais, não se insurge contra a r. decisão de origem que afastou sua alegação tecida na peça de resistência, de prática de justa causa por parte do autor (abandono de emprego).
Logo, o cerne da controvérsia, devolvida em sede recursal, refere-se ao assédio moral, bem como ao ônus probatório dos fatos alegados na peça exordial.
Inicialmente, importante destacar que a Carta Magna, em seu art. 1º, elege como fundamento do Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana (inciso III) e os valores sociais do trabalho (inciso IV), bem como assegura a prevalência do interesse social sobre o mero interesse particular do lucro (arts. 5º, inciso XXIII, e 170, inciso III). Dispõe, ainda, referido texto que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais (art. 193).
Como se constata, o texto constitucional valorou sobremaneira a dignidade da pessoa humana, bem como enalteceu o valor social do trabalho e, nesse contexto, consagrou a possibilidade de buscar indenização decorrente de dano moral, material ou à imagem (inciso V, art. 5º, CF).
O dano moral, em apertada síntese, é aquele que atinge os direitos personalíssimos do indivíduo, ou seja, os bens de foro íntimo da pessoa (honra, liberdade, intimidade e imagem).
Por sua vez, o assédio moral, inserido dentro do dano moral (lato sensu), segundo a melhor doutrina se conceitua como sendo: “…a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias, onde predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um subordinado, desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização”. (em artigo publicado pelo jurista Dr. Luiz Salvador – em 28/11/2002).
Nesse diapasão, o assédio moral ocorrido dentro do ambiente de trabalho, doutrinariamente considerado, configura-se pela deliberada degradação das condições de trabalho onde prevalecem atitudes e condutas negativas dos superiores hierárquicos em relação aos seus subordinados, acarretando a estes experiência subjetiva que causa prejuízos práticos e emocionais, bem como à própria organização. Constitui-se, no isolamento do trabalhador, sem explicações, passando o mesmo a ser inferiorizado, hostilizado, ridicularizado e desacreditado diante dos demais trabalhadores. Tendo ainda, como forte característica a dominação psicológica do agressor e a submissão forçada da vítima, desestabilizando-a emocionalmente.
O Exmo. Presidente do STF, quando ainda Ministro do C. TST, pronunciando sobre a matéria, assim decidiu:
“A violência ocorre minuto a minuto, enquanto o empregador, violando não só o que contratado, mas, também, o disposto no § 2º, do art. 461 consolidado – preceito imperativo – coloca-se na insustentável posição de exigir trabalho de maior valia, considerando o enquadramento do empregado, e observa contraprestação inferior, o que conflita com a natureza onerosa, sinalagmática e comutativa do contrato de trabalho e com os princípios de proteção, da realidade, da razoabilidade e da boa-fé, norteadores do Direito do Trabalho. Conscientizem-se os empregadores de que a busca do lucro não se sobrepõe, juridicamente, à dignidade do trabalhador como pessoa humana e partícipe da obra que encerra o empreendimento econômico” (TST, 1ª T., ac. nº 3.879, RR nº 7.642/86, 9/11/1987, Rel. Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello).
Pois bem, o autor alegou em sua peça exordial que “foi colocado em uma cadeira num dos corredores da empresa e que o empregador determinou ao reclamante para que ali permanecesse ociosamente, até ‘segunda ordem'” (fls. 3, primeiro parágrafo). Também alegou o reclamante que tal determinação implicou na exposição do mesmo à humilhação perante seus colegas de trabalho, chegando até mesmo a lavrar boletim de ocorrência.
Ora, diferentemente do que sustenta a recorrente, o autor desvencilhou-se do encargo probante que lhe competia de demonstrar que sofreu assédio moral, relatado em sua peça exordial, à medida em que sua única testemunha assim declarou:
“… que viu o reclamante sentado em uma cadeira, durante todo o dia de trabalho, por 3 dias, sem fazer nada, que não sabe dizer por quê; que durante esses 3 dias a sala onde o reclamante trabalhava permaneceu fechada; que o reclamante trabalhava sozinho nessa sala; que viu o reclamante lendo a Bíblia no primeiro dia; que não sabe dizer se foi proibido ou não, só que não viu mais o reclamante lendo tal livro.” (fls. 20).
Desta forma, diante da prova produzida pelo autor, e do boletim de ocorrência encartado às fls. 14, não elididos por nenhuma outra prova, desincumbiu o mesmo de seu ônus probatório nos termos dos arts. 818, da CLT, e 333 do CPC.
E, diante deste conjunto probatório resta sem qualquer sustentação a alegação recursal de que o autor teria “montado” a estória, até porque nenhuma prova foi produzida nesse aspecto!
Por conseguinte, correta a declaração de resolução contratual (justa causa do empregador), bem como o deferimento dos títulos conseqüentes.
Nesse mesmo sentido e adequando-se como uma “luva” ao caso em testilha, a Ementa do E. TRT da 17ª Região, que reconheceu a violação à dignidade da pessoa humana, concluindo pelo cabimento da indenização por dano moral, que ora peço venia para transcrever:
“Assédio moral – Contrato de inação – Indenização por dano moral – A tortura psicológica, destinada a golpear a auto-estima do empregado, visando forçar sua demissão ou apressar sua dispensa através de métodos que resultem em sobrecarregar o empregado de tarefas inúteis, sonegar-lhe informações e fingir que não o vê, resultam em assédio moral, cujo efeito é o direito à indenização por dano moral, porque ultrapassa o âmbito profissional, eis que mina a saúde física e mental da vítima e corrói a sua auto-estima. No caso dos autos, o assédio foi além, porque a empresa transformou o contrato de atividade em contrato de inação, quebrando o caráter sinalagmático do contrato de trabalho, e por consequência, descumprindo a sua principal obrigação que é a de fornecer trabalho, fonte de dignidade do empregado.” (TRT – 17ª Região – RO nº 1315.2000.00.17.00.1 – ac. nº 2276/2001 – Rela. Juíza Sônia das Dores Dionízio – 20/8/2002, na Revista LTr 66-10/1237).
Por evidente que o assédio moral, como forma de degradação deliberada das condições de trabalho por parte do empregador em relação ao obreiro, consubstanciado em atos e atitudes negativas ocasionando prejuízos emocionais para o trabalhador, em face da exposição ao ridículo, humilhação e descrédito em relação aos demais trabalhadores, constitui ofensa à dignidade da pessoa humana e quebra do caráter sinalagmático do contrato de trabalho. Autorizando, por conseguinte, a resolução da relação empregatícia por justa causa do empregador, ensejando, inclusive, indenização por dano moral, como bem observado pelo r. Juízo de origem.
Não vislumbro a hipótese de remessa à Comissão de Uniformização de Jurisprudência, nos termos do art. 192 do Regimento Interno deste E. Tribunal, porquanto a matéria trazida nestes autos, até o momento, não possui decisões reiteradas ou conflitantes, existindo poucos Julgados quanto ao tema nas Cortes Trabalhistas.
Por fim, a alegação recursal de que as verbas deveriam ser deferidas, como pedido de demissão, trata-se de inovação ao princípio do contraditório, beirando, inclusive, na litigância de má-fé.
Posto isto, decido: conhecer e negar provimento ao recurso, observada a fundamentação supra.
Mariane Khayat F. do Nascimento – Relatora
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ASSÉDIO SEXUAL
ASSÉDIO SEXUAL. DANO MORAL. POSTULOU A DEMANDANTE REPARAÇÃO PECUNIÁRIA POR DANOS, SOB O FUNDAMENTO DE QUE O SÓCIO DA RECORRIDA, SR. JORGE, “TINHA A MANIA DE CHAMÁ-LA DE GOSTOSA E CACHORRA” E, NÃO BASTASSE TAL FATO, “BATIA EM SUAS NÁDEGAS E A CHAMAVA DE VADIA”, INDAGANDO-LHE DE FORMA DESRESPEITOSA, NA PRESENÇA DE OUTROS FUNCIONÁRIOS, SE “TINHA JEITO” DE “FICAR” COM O MESMO, O QUE FOI AMPLAMENTE RECHAÇADO PELA CORRENTE DEFENSIVA (FLS. 54/60), PAUTADA NA URBANIDADE E NO INTEGRAL RESPEITO DISPENSADO PELO MENCIONADO SÓCIO À INTEGRALIDADE DO CORPO FUNCIONAL.
A testemunha da reclamante, embora única, foi clara e precisa ao relatar que já presenciou o sócio da apelante desrespeitando a obreira, atribuindo-lhe a pecha de “nega bunduda” e “gostosa”, tendo asseverado, outrossim, que o ousado comportamento ora enfocado deu-se de modo reiterado em relação a outras funcionárias, tendo presenciado tal fato “várias vezes” (fl. 139), e isso “antes do almoço, atrás do balcão, na chegada pela manhã e no corredor, onde todos tinham que passar, que já viu esse fato acontecer nas vezes em que chegou no mesmo horário que a reclamante”.
Oportuno salientar, contrariamente ao afinado nas razões recursais, que o fato de as testemunhas da ré não haver presenciado a reprovável conduta não autoriza a conclusão de que as circunstâncias narradas na inicial não tenham ocorrido, sobretudo em razão da robusta prova testemunhal ofertada pela autoria, já acima mencionada. Ainda diversamente do sustentado na peça recursal, destaque-se a irrelevância da repergunta feita pela Ilustre patrona da ré, no tocante ao “momento” em que teria ocorrido as ofensas denunciadas, bem assim do fato de a testemunha da recorrida não haver trabalhado propriamente no mesmo setor dessa última. É que, a circunstância fática básica e principal – assédio – restou sobejamente demonstrada, tendo a mencionada testemunha afirmado, com a mais absoluta precisão, que do setor onde atuava presenciava as ocorrências no setor da recorrida, além do que, o malfadado comportamento do sócio da recorrente, conforme relato supra explicitado, dava-se em áreas de comum acesso, o que apenas reforça a conclusão de que o local de trabalho da testemunha em nada altera o deslinde da questão.
Nessa quadra, é bom lembrar que o assédio sexual caracteriza-se pela conduta reiterada e constrangedora, com conotação puramente sexual, sem qualquer receptividade pela vítima, praticada no ambiente de trabalho por superior hierárquico ou ascendência inerente ao exercício de emprego, cargo ou função, que se exterioriza por atos, gestos, palavras e atitudes que violam a liberdade sexual, assim entendida como o direito de disposição do próprio corpo. Trata-se, pois, de conduta ilícita e discriminatória – com vistas à satisfação da libido –, que envolve relação de poder, sujeição da vítima e ofensa à intimidade, à honra e à dignidade da pessoa humana, exatamente como ocorreu, in casu.
Leciona Alice Monteiro de Barros que “são inúmeras as manifestações do assédio sexual. Poderá assumir forma não verbal (…); verbal (convites reiterados para sair, pressões sexuais sutis ou grosseiras (…), e física (toques, (…) esbarrões propositais (…)”. Esclarece, ainda, que “não é necessário um “não expresso” da vítima, desde que a conduta ou os movimentos do corpo traduzam sinais evidentes de recusa. In casu, conforme já acima ressaltado, restou patenteada a conduta assediante deflagrada pelo representante da demandada, apta a aviltar a honra, a imagem, a moral, os direitos da personalidade e a própria dignidade da trabalhadora, o que merece a devida reparação, à luz do artigo 5º, incisos V e X, da Carta Magna e do artigo 186, do Código Civil. De ser lembrado que a figura jurídica do dano conceitualmente é vista como a lesão, o prejuízo sofrido por um indivíduo, na seara física, patrimonial ou moral, passível de reparação por parte do agente causador. O dano moral, objeto do conflito ora em exame, envolve os direitos da personalidade, assim entendidos como os direitos essenciais da pessoa, aqueles que formam a medula da personalidade, os direitos próprios da pessoa em si, existentes por natureza, como ente humano, ou ainda os direitos referentes às projeções da pessoa para o mundo exterior, em seu relacionamento com a sociedade. Vale frisar, ainda, que o Código Civil, fonte subsidiária do Direito do Trabalho (art. 8º, parágrafo único, CLT), prevê, em seus arts. 932, inciso III, e 933 a responsabilidade objetiva do empregador, isto é, independentemente de culpa, quando caracterizados os requisitos legais da ação ou omissão danosa de seu empregado ou preposto, no trabalho ou em razão dele. Destarte, diante de todas as premissas suso enfatizadas, correta pois a condenação em pagamento de indenização por dano moral imposta pela MM. Vara de Origem, devendo ser mantida. Nada mais a ser reexaminado.